segunda-feira, 12 de março de 2012

A Filha que tomou conta da casa

- Que é feito daquela revista que trouxe da biblioteca? – perguntou ao marido numa segunda-feira de manhã.

- Deve estar na pilha de revistas e jornais.

Mas não havia nenhuma pilha de revistas e jornais em casa. Pelos vistos, a filha tinha resolvido, durante o fim-de-semana, dar uma das suas arrumações, e a pilha de livros e revistas fora para a reciclagem.

- A revista era nova! O que digo agora na biblioteca? Fizeram-me especial favor em deixar trazer a revista para casa.

Não havia resposta para isso, portanto o marido não a deu. Deixou-a atarantada na sala, mudou de divisão. Talvez tenha ido para a casa de banho.

Sempre se dera bem com o marido. Paixão de juventude, sempre serviram de exemplo de casal feliz, entre as outras pessoas. Mas ultimamente ele deixava-a sem resposta, principalmente em conversas em envolvessem a filha. Esta, ultimamente, adquirira a mania das arrumações e das limpezas, e dava volta à casa como se fosse dela. A mãe, que não era muito dada aos serviços domésticos, andava a sentir-se à parte das decisões familiares. Podia não ser arrumada, mas ainda era a mãe daquela casa.

- Quando é que ela sai de casa?

- Mas tu queres a tua filha fora de casa?

A resposta do marido demonstrava raiva. Não era bonito desejar que a filha saísse de casa. Enquanto lhe apetecesse estar, deveria permanecer. Assim ditam os costumes meridionais. Mas a verdade é que a rapariga tinha conseguido encaminhar bem a sua vida de adulta. Mas decidira que só sairia de casa quando encontrasse marido. Mas que ideia mais retrógrada! Assim, nunca sairia de casa! Não haveria homem que a quisesse se ela continuasse obcecada com as arrumações.

- Não te importas que ela mexa nas tuas coisas? – ainda perguntou ao marido. Este respondeu-lhe que não se importava. Mais! Até gostava. Adorou quando ela lhe selecionou a roupa interior, e lhe deitou fora aquilo que já estava muito velho. Também gostou quando ela lhe guardou em separado a roupa de verão e a de inverno, ou quando lhe ordenou as camisas, no roupeiro, por cores.

Não havia como falar com ele a este respeito. Ele estava do lado da filha. Pegou na carteira e foi à rua. Passou num quiosque, comprou um exemplar da revista que desaparecera, para assim tentar remediar o assunto com a biblioteca. No quiosque, um jornal de classificados chamou-lhe a atenção. Talvez fosse altura de procurar um espaço para si própria, uma casa onde pudesse ter a roupa desarrumada e a loiça por lavar.

2 comentários:

  1. Muito bom. Um panorama da realidade actual.

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  2. Há muito quem viva infeliz com a sua própria realidade. E quem não tem um pouquinho disso, sempre?

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