Na mente de Sara as ideias
atropelavam-se, numa sucessão confusa de pensamentos optimistas e pessimistas!
Ante de sair de casa, naquela manhã, decidira cuidar-se como se tivesse
um encontro especial, e a amarga ironia que muitas vezes empregava nos
julgamentos, ao alegar em desfavor dos que acusava em tribunal, não deixava de
lhe acorrer sob a forma de uma de duas hipóteses possíveis " vestida para matar" ou seria antes "vestida para morrer"
Era quase impossível não fazer um
balanço da sua vida, levara um livro, ainda gostaria de saber que espécie
de ingenuidade a levara a pensar que um
livro a poderia distrair durante a espera para ser atendida, já que,
independentemente do tempo a aguardar, este seria sempre dilatado.
Que construíra Sara?
Tinha sido a filha perfeita,
havia seguido criteriosamente os planos que o pai lhe traçara, de continuar a
carreira jurídica- tradição familiar a passar de geração em geração – sim,
seguira Direito, e a sua extrema dedicação levara-a facilmente ao exercício
daquela que, ainda na faculdade, era a sua profissão de sonho – Magistrada do
Ministério Público, chegava mesmo a dizer, em tom de brincadeira e em convívio
com família e colegas que uma pessoa como ela, tão meticulosa, queria-se do
lado da lei, antes que fosse cair nas teias do crime.
O amor, esse tinha-o encontrado
durante o estágio, na pessoa de Emílio, um colega que acabou por desistir da
Magistratura e ingressar no terreno pantanoso que era a advocacia. Sim , pelo
menos tinha encontrado o amor.
O que lhe faltava cumprir? Que desígnio
poderia ficar impossibilitada de realizar?
Um filho, tomada de uma imensa
perturbação ansiosa, Sara não conseguiu evitar as lágrimas enquanto recordava
que, um ano antes, Emílio aventara a ideia de terem um filho, tinham ambos 32
anos, e já ia sendo tempo de continuar as famílias, dissera ele. Movida por um egoísmo
e ambição que sempre colocara a levaram a colocar a carreira em primeiro lugar,
e com receio de se ver privada da possibilidade de acompanhar um mega
julgamento de tráfico de droga, Sara adiou, mais uma vez e sine die, a data da
sua maternidade, teria assim feito cair por terra o sonho de Emílio ?
Também não pode deixar de
lamentar todos os fins de semana em que, refugiando-se no sótão, e tendo os
processos por companhia, ficava a trabalhar horas sem fim, negligenciando
Emílio que ainda assim vinha relembrar-lhe os horários das refeições e
trazer-lhe uns miminhos para se alimentar.
Finalmente, chamaram o seu nome, trôpega
pelo medo e pela emoção, Sara deixou que as pernas a levassem até ao gabinete
do médico, e nem toda a maquilhagem conseguia ocultar a sua extrema palidez,
era ela quem estava prestes a receber o veredicto…
O médico, gentilmente, pediu a
Sara que se sentasse, tendo-a acompanhado até à cadeira, e sem mais delongas,
vendo-a pálida , transmitiu-lhe o resultado da biópsia, afinal, não era nada
que a preocupasse, era uma massa perfeitamente benigna que apenas teria de ser
removida numa cirurgia simples.
De alegria, Sara chorou e abraçou
o médico.
Não dissera nada a ninguém para
não ficarem em cuidados, mas nessa noite tinha algo muito especial para fazer,
ia preparar um jantar para toda a família e dar-lhes-ia as boas notícias. A
sós, iria convidar o marido para no dia a seguir, partirem durante o fim de
semana, à descoberta de um qualquer refúgio romântico.
Sara apressou-se, era urgente
viver e tinha muitos sonhos para realizar!
Quantas vezes nos esqueceremos de viver as nossas vidas?
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