terça-feira, 27 de março de 2012

Veredicto(s)


Na mente de Sara as ideias atropelavam-se, numa sucessão confusa de pensamentos optimistas e pessimistas!



   Ante de sair de casa, naquela manhã, decidira cuidar-se como se tivesse um encontro especial, e a amarga ironia que muitas vezes empregava nos julgamentos, ao alegar em desfavor dos que acusava em tribunal, não deixava de lhe acorrer sob a forma de uma de duas hipóteses possíveis " vestida para matar" ou seria antes "vestida para morrer"



Era quase impossível não fazer um balanço da sua vida, levara um livro, ainda gostaria de saber que espécie de  ingenuidade a levara a pensar que um livro a poderia distrair durante a espera para ser atendida, já que, independentemente do tempo a aguardar, este seria sempre dilatado.



Que construíra Sara?

Tinha sido a filha perfeita, havia seguido criteriosamente os planos que o pai lhe traçara, de continuar a carreira jurídica- tradição familiar a passar de geração em geração – sim, seguira Direito, e a sua extrema dedicação levara-a facilmente ao exercício daquela que, ainda na faculdade, era a sua profissão de sonho – Magistrada do Ministério Público, chegava mesmo a dizer, em tom de brincadeira e em convívio com família e colegas que uma pessoa como ela, tão meticulosa, queria-se do lado da lei, antes que fosse cair nas teias do crime.

O amor, esse tinha-o encontrado durante o estágio, na pessoa de Emílio, um colega que acabou por desistir da Magistratura e ingressar no terreno pantanoso que era a advocacia. Sim , pelo menos tinha encontrado o amor.

O que lhe faltava cumprir? Que desígnio poderia ficar impossibilitada de realizar?

Um filho, tomada de uma imensa perturbação ansiosa, Sara não conseguiu evitar as lágrimas enquanto recordava que, um ano antes, Emílio aventara a ideia de terem um filho, tinham ambos 32 anos, e já ia sendo tempo de continuar as famílias, dissera ele. Movida por um egoísmo e ambição que sempre colocara a levaram a colocar a carreira em primeiro lugar, e com receio de se ver privada da possibilidade de acompanhar um mega julgamento de tráfico de droga, Sara adiou, mais uma vez e sine die, a data da sua maternidade, teria assim feito cair por terra o sonho de Emílio ?

Também não pode deixar de lamentar todos os fins de semana em que, refugiando-se no sótão, e tendo os processos por companhia, ficava a trabalhar horas sem fim, negligenciando Emílio que ainda assim vinha relembrar-lhe os horários das refeições e trazer-lhe uns miminhos para se alimentar.

Finalmente, chamaram o seu nome, trôpega pelo medo e pela emoção, Sara deixou que as pernas a levassem até ao gabinete do médico, e nem toda a maquilhagem conseguia ocultar a sua extrema palidez, era ela quem estava prestes a receber o veredicto…

O médico, gentilmente, pediu a Sara que se sentasse, tendo-a acompanhado até à cadeira, e sem mais delongas, vendo-a pálida , transmitiu-lhe o resultado da biópsia, afinal, não era nada que a preocupasse, era uma massa perfeitamente benigna que apenas teria de ser removida numa cirurgia simples.

De alegria, Sara chorou e abraçou o médico.

Não dissera nada a ninguém para não ficarem em cuidados, mas nessa noite tinha algo muito especial para fazer, ia preparar um jantar para toda a família e dar-lhes-ia as boas notícias. A sós, iria convidar o marido para no dia a seguir, partirem durante o fim de semana, à descoberta de um qualquer refúgio romântico.

Sara apressou-se, era urgente viver e tinha muitos sonhos para realizar!

 By : Isabel Alexandra Almeida (Os Livros Nossos)

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