segunda-feira, 30 de abril de 2012

A Festa

A festa tinha tudo para ser perfeita. Era verão, fazia uma noite agradável, sem brisa, as estrelas cintilavam, podia-se beber bem, e havia muitas mulheres belas, com vestidos sugestivos, a conversar despreocupadas com os homens.


Estava de férias, e uns amigos que via apenas no verão convidaram-me. Não era a primeira da vida. Mas, talvez por estar muito bem disposto, aquela parecia-me perfeita.


Foram tantas as cervejas, que, a determinada altura tive de ir descarregar águas junto ao mar. Afastei-me da festa, e o seu barulho desaparecia aos poucos conforme me aproximava do mar, o suficiente para não molhar os pés. Respirei fundo o ar agradável da noite e voltei.


Ao regressar notei a festa estranha, diferente. Fiquei desiludido, julgando que a festa iniciara o seu término na minha ausência.


Vi então que em vez dos balcões de bebidas estavam churrascos. Em vez de pessoas em roupa de festa, estavam de calções e chinelos. Como era possível? Não conheci nenhuma das caras, e aflito, comecei a procurar os meus amigos.


Os convivas repararam em mim. Viram-me a andar atarantado. Complacentes, pegaram-me nos ombros e sentaram-me em frente a um prato de febras grelhadas. Falaram comigo, mas não entendi nada. Não falavam a mesma língua que eu.

sábado, 21 de abril de 2012

Livro

Um livro encontrava-se sentado numa prateleira com as pernas bamboleantes, esperando que alguém lhe pegasse. Sentia-se só e triste. Era o único do seu tipo, isolado no meio de outros livros que nao lhe eram semelhantes. Colocado na prateleira errada, nunca seria escolhido nem nunca veria o mundo.

sexta-feira, 13 de abril de 2012

Sexta Feira 13

Ele acordou com a sensação de que algo estava errado. Levantou-se, ignorando o que sentia. Foi para a casa de banho fazer a barba. A sua face estava pálida. Os olhos  tinham dois círculos negros demarcados pelo cansaço. não tinha vontade nenhuma de ir trabalhar. Pensou que talvez um duche frio o acordasse e lhe desse uma nova genica. A água quente relaxou os seus músculos. Quando saiu do duche, olhou para o espelho, estava seco como se não tivesse tomado banho. Não compreendia o que acontecera. Correu para o quarto. Na cama de onde se levantara, via-se a si próprio deitado, de olhos fechados, como se dormisse. Afinal morrera durante a noite, apenas um pensamento lhe ocorreu. "Feliz sexta-feira 13!"

quinta-feira, 5 de abril de 2012

A Carta Anónima no Cacifo

Ser um miúdo giro tinha as suas consequências na escola: não conseguir passar desapercebido entre as raparigas, que o abordavam constantemente através das mais variadas estratégias. Telefonavam-lhe, chamavam por ele nos corredores da escola, na rua, batiam à porta da sua casa, tentavam adicioná-lo às redes sociais, pagavam-lhe lanches e viagens nos carrinhos de choque. Não que o aborrecesse de todo ser popular: mas às vezes a situação tornava-se constrangedora, perto da sua família ou perto de alguma rapariga que realmente lhe despertasse a atenção.

Interessava-se por miúdas giras (era claro!), mas não bastava. Tinham de ter boas notas, ser discretas e possuir um pouquinho de pimenta: isto é, tinham de ter qualquer coisa de especial. Uma vez esteve apaixonado por uma rapariga que tocava bateria. Outra vez esteve apaixonado por uma que mantinha um blog. Normalmente essas miúdas tinham tendência para se afastar da sua popularidade, pois achavam-na sinónimo de tolice.

Foi por isso que, ao encontrar uma carta anónima no seu cacifo, a sua imaginação e vontade de investigação se ativaram: não seria uma tola qualquer para fazê-lo (até porque a carta estava bem escrita, com figuras de estilo e tudo), e muito menos uma miúda daquelas que gostam de dar nas vistas; a carta anónima era, precisamente, a prova da sua discrição.

quarta-feira, 4 de abril de 2012


Um Final

O copo caiu, o líquido âmbar espalhou-se como a maré ensopando o tapete felpudo…
A mesa de onde o copo caíra estremeceu e balançou, como num estranho bailado, ao som da música que saia de forma contínua do rádio do outro lado da sala…a voz quente enchia a sala gravemente…
Nas janelas as cortinas sonhavam libertar-se e vogar soltas ao sabor do som que as inspirava e do vento que as enfunava…
No sofá, sentada entre as almofadas, qual buquê florido estavas tu, os teus lábios vermelhos com um esgar trocista, o teu nariz levemente arrebitado com quem enfrenta um desafio, o vestido de seda suavemente amarrotado, sugerindo algo mais que um breve abraço amoroso, o teu cabelo angelicamente penteado em grandes caracóis, as tuas mãos crispadas de fúria e nos olhos uma réstia efémera da ingenuidade que eu um dia tanto amei…
Levantei-me e sai, lá fora a noite fragante envolveu-me, recordei o teu cheiro, o teu sabor… acompanhando as memórias não o sentimento de outrora mas algo diferente…quiçá uma saudade mas já não uma paixão…
A rua levou-me ao bar do costume, à bebida do costume e as pessoas do costume, e nada era do costume, as músicas não soavam como quando te tinha a meu lado, o whisky, embora da mesma marca, era estranho ao paladar e a meus olhos as cores do bar haviam mudado.
Tudo era novo, diferente, empolgante, talvez…
No espelho por trás do bar encarei-me, sorri e brindei a mim próprio…